Mariana Martins - Observatório do Direito à Comunicação
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Não é de agora que os veículos de comunicação direcionam sua cobertura para atacar os movimentos de luta pela terra, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nas páginas de jornais e nas telas de TV, a cobertura destes veículos sobre os casos de conflitos envolvendo estes movimentos sociais é descontextualizada, criminaliza estas organizações e questiona sua legitimidade.
Nas últimas semanas, este comportamento se repetiu. No episódio chamado pela grande mídia comercial de “carnaval vermelho”, em referência à quantidade de ações de ocupação de terras durante essa época do ano (mesmo sem nenhuma relação aparente entre elas), os movimentos sociais foram novamente condenados pelas iniciativas de luta contra os grupos que se beneficiam da concentração de terra no campo.
O estopim da ofensiva dos meios de comunicação foi o conflito, ocorrido entre dos dias 20 e 24 de fevereiro, em Pernambuco, que resultou na morte de quatro seguranças de uma fazenda. Segundo o MST, as vítimas eram pistoleiros contratados pelo dono da Fazendo Consulta e Jabuticaba, localizadas no município de São Joaquim do Monte, distante 137 do Recife.
A cobertura apoiou-se nas declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que se utilizou do caso para questionar a destinação de verbas públicas a projetos de movimentos que, ainda segundo ele, “cometem ilícitos e são ilegais”. Afirmações como estas têm se tornado munições cada vez mais usadas para subsidiar a grande mídia comercial na ofensiva contra os movimentos sociais.
Críticas
A dobradinha Gilmar Mendes-veículos de comunicação recebeu pesadas críticas de entidades, acadêmicos e profissionais da comunicação. “Desta vez, Gilmar Mendes abandonou seu papel jurídico para emitir opinião política e criminalizar um movimento social que luta pela reforma agrária. Ágil, antecipou-se à análise dos fatos e já emitiu seu julgamento. Seu parecer ideologizado foi prontamente reverberado e potencializado pelo conjunto dos meios de comunicação, que afirmam-se cada vez mais como o grande partido da direita em nosso país”, afirma o secretário-geral da CUT, Quintino Severo, em artigo publicado no portal da Central nesta quarta-feira (4).
O jornalista Leonardo Sakamoto, em mensagem publicada em seu blog, considerou a postura de Mendes questionável por tratar o MST de maneira muito mais dura do que o setor empresarial também acusado de crimes e ilegalidades.
“Por que ele não veio a público dizer o mesmo nas centenas de vezes em que ocorreu o contrário, quando grandes empresas e fazendeiros, que receberam recursos públicos do BNDES, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, entre outros, estiveram envolvidos direta ou indiretamente com a morte de centenas de trabalhadores rurais, sindicalistas e missionários, com a contaminação e destruição do meio ambiente, o trabalho escravo e o infantil, a expulsão de comunidades tradicionais de suas terras, a grilagem de terras, a corrupção de políticos e de funcionários públicos?”, questiona o jornalista, coordenador de projetos premiados pela denúncia contra o trabalho escravo em propriedades rurais.
Para Mayrá Lima, integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, “este episódio é um exemplo de como a cobertura da grande mídia dos conflitos envolvendo os movimentos sociais, bem como de qualquer pauta que diga respeito a estas organizações, busca desqualificar suas bandeiras de luta e suas ações, além de não fazer o real debate com a população sobre os problemas da concentrada estrutura agrária brasileira”.
A forma como o Ministro se pronunciou, ao convocar uma coletiva para falar publicamente sobre o caso, também é criticada. Na avaliação de Fernando Prioste, advogado da ONG Terra de Direitos, além das acusações de Mendes sobre o recebimento de verbas estatais por parte do MST não serem verídicas, é preocupante que o Presidente do Supremo Tribunal Federal tenha convocado a imprensa para dar sua versão do caso sem sequer ter sido provocado para isso.
Na opinião de Rodolfo Cabral, professor da Faculdade de Direito da UFPE e pesquisador sobre o tema agrário, a ação combinada entre judiciário e meios de comunicação comerciais acaba por fazer estourar a corda do lado mais fraco. “Muitas vezes, a imprensa se utiliza do judiciário e de declarações conservadoras, como as de Gilmar Mendes, para respaldar a sua posição também refratária à ação dos movimentos. Da mesma forma, o judiciário se apóia mais no que vê, ouve ou lê na imprensa do que na versão dos trabalhadores rurais para darem as suas decisões. Há casos de decisões em que o juiz utiliza como fundamento matérias de jornais, na maioria das vezes contrárias aos sem-terra. Na relação de retroalimentação entre duas instituições conhecidamente conservadoras e que pautam a esfera pública, quem sai perdendo são os movimentos sociais”, alerta.
Acusações equivocadas
Fernando Prioste contesta a acusação de que o MST, como organização, recebe verbas públicas. “O que acontece é que o Estado, impossibilitado ou por opção, resolveu terceirizar a outras organizações, que não o MST, serviços, dentre eles, alguns ligados ao desenvolvimento de assentamentos e acampamentos”. Entre estas atividades estão a “assessoria técnica relativa à produção e também à educação”, diz. Estas últimas ocorrem em razão de muitos assentamentos ficarem distantes das escolas, o que impossibilita e/ou desestimular as crianças a freqüentar as escolas públicas tradicionais.
Em entrevista ao jornalista Paulo Henrique Amorim em seu Blog, Conversa Afiada, o Coordenador do MST, João Pedro Stédile, lembrou que ao final do Governo Fernando Henrique Cardoso as contas de entidades ligadas ao MST foram exaustivamente analisadas e nenhuma irregularidade foi encontrada. A versão do MST, assim como as contra-argumentações ao ataque de Gilmar Mendes, foram solenemente ignoradas pelos veículos comerciais.
Tratamento igual receberam as notas de repúdio divulgadas por movimentos sociais contra as declarações de Mendes desde o início da repercussão da sua fala. A única voz dissonante publicada foi a do Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, que se limitou a falar da ação do Ministério Público Federal, cobrada pelo Ministro do Supremo, na fiscalização das ações do MST. Segundo Souza, o MPF investiga há muito tempo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, sendo que não costuma fazer pronunciamentos antes das investigações chegarem aos resultados finais.
Um peso, duas medidas
Enquanto a mídia comercial volta-se contra os movimentos sociais, especialmente o MST, os crimes contra os trabalhadores rurais não merecem a mesma abordagem. Números apresentados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) - que desde 1997 publica anualmente o Caderno Conflitos no Campo Brasil e traz dados sobre a questão agrária no país - revelam que, de 1997 a 2007, 363 trabalhadores rurais sem terra foram assassinados por questões relacionadas às suas atividades políticas.
A cobertura desses crimes pela imprensa, com exceção do caso da missionária Dorothy Stang, são superficiais e quase nunca trazem consigo indicações no sentido de cobrar a apuração e a condenação dos responsáveis, como aconteceu no caso dos assassinatos em Pernambuco.
Enquanto questionam os repasses de recursos para projetos nos assentamentos, os meios comerciais não investigam o dinheiro público investido em operações empresariais que promovem ações ilegais como queimadas, desmatamentos e trabalho escravo, dentre outras ilicitudes.
Nem mesmo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) que denunciam o desmatamento de 754 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica nos últimos três meses, divulgados pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo no dia 4 de março, foram suficientes para instigar o conjunto dos meios de comunicação comerciais para o questionamento do subsídio público direcionado aos investimentos de empresários que promovem estes tipos de prática.
Perseguição
O episódio das críticas de Gilmar Mendes é mais um dentre os ataques patrocinados pela ação articulada entre mídia comercial e Judiciário. No ano de 2007, o Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul aprovou um relatório que propôs designar promotores de justiça em ações para declarar a ilegalidade do MST.
Partiu do mesmo órgão de justiça, em conjunto com o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, no início de 2009, a ação de fechamento das escolas do MST nos assentamentos, iniciativa que deixou mais de 600 crianças sem acesso ao direito básico à educação.
Nos dois casos, o tratamento da grande mídia foi pontual, sem que fossem problematizadas questões primárias como as atribuições do ministério público para propor, por exemplo, a extinção de um movimento social ou as conseqüências do fechamento das escolas e a dificuldade do acesso aos equipamentos tradicionais de educação por parte da população rural.
A sucessão de episódios como estes assustam os movimentos sociais e seus aliados. O aumento do tom da ofensiva contra estas forças indica um recrudescimento de posições conservadoras na sociedade e no Estado, daninho à democracia e à justiça social do país.
Fonte: http://www.direitoacomunicacao.org.br |
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