O bispo do Xingu, Dom Erwin Krautler, já havia manifestado a preocupação com o projeto e a necessidade de novas audiências em documento enviado ao presidente do IBAMA, transcrito abaixo juntamente com o Manifesto dos povos do Xingu feito pelos participantes do Seminário de apresentação dos resultados do Painel de Especialistas sobre análise critica do EIA do AHE Belo Monte, ocorrido no mês de outubro.
Participaram lideranças comunitárias, agricultores familiares, ribeirinhos, moradores de reservas extrativistas, dos 11 onze municípios que compõe a região do Xingu, assim como, representantes de organizações da sociedade civil e de órgãos governamentais, como IBAMA e Ministérios Públicos Federal e Estadual, estudantes e professores do ensino médio e universitários.
Apresentaram o documento a saber: Sônia Magalhães, antropóloga do Núcleo de Meio Ambiente (UFPA); Jorge Molina, engenheiro de Águas do Instituto de Hidráulica e Hidrologia, da Universidad de San Andrés, La Paz (Bolívia); José Marcos da Silva, especialista em Saúde Publica do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (UFPE); Hermes F. de Medeiros, ecólogo especialista em Biodiversidade da Faculdade de Ciências Biológicas (UFPA); Antônio Carlos Magalhães, antropólogo e indigenista do Instituto Humanitas; Nírvia Ravena, cientista política do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (UFPA) e Janice Cunha, bióloga especialista em peixes da Faculdade de Ciências Biológicas (UFPA).
Eis os documentos:
Exmo. Sr.
Dr. Roberto Messias Franco
DD. Presidente do IBAMA
Altamira, 22 de outubro de 2009
Excelência,
Senhor Presidente do IBAMA,
caríssimo irmão,
Lembro vivamente a nossa viagem em 14 de setembro p.p. na META, de Altamira a Belém, quando estávamos sentados um ao lado do outro e, de repente, nos demos conta da função e do ministério que cada um exerce. V. Excia. ainda gentilmente me apresentou a advogada do IBAMA, Dra. Andrea.
Depois daquela viagem pensei entrar em contato com V. Excia. e marcar, se fosse possível, uma audiência para, à viva voz e olho no olho, tratarmos de assuntos que me preocupam imensamente em relação ao planejado AHE Belo Monte. O que me causa até insônias é a afirmação de V. Excia., veiculada pela imprensa, segundo a qual as quatro audiências públicas realizadas no Xingu e em Belém seriam consideradas suficientes para que a sociedade pudesse avaliar as consequências da obra planejada.
Peço vênia para divergir do posicionamento de V. Excia. Estou totalmente convicto de que a população do Xingu, que eu conheço muito bem, não teve nestas quatro audiências nem suficiente oportunidade de avaliar o projeto no que concerne às consequências irreversíveis nem o espaço necessário para manifestar seu ponto de vista. Tenho a impressão de que as audiências não passaram de mera formalidade. Na realidade, grande parte do povo que será atingido e impactado, se o projeto realmente for executado, ou não estava presente nas reuniões ou não conseguia manifestar-se. A maior parte do povo que será atingido vive muito distante da cidade.
Não seria mais humano ir até os lugares, por exemplo à Volta Grande, onde este povo vive e trabalha e onde realmente vai sofrer os tremendos impactos que modificarão toda a sua vida e a de suas famílias?
Não seria mais humano ir às aldeias para simplesmente ouvir o que os indígenas hão de dizer sem subjugá-los logo com uma ladainha já conhecida, mas até hoje não comprovada, de benefícios que o projeto vai trazer?
Não seria mais humano ir até às vicinais da Rodovia Transamazônica para encontrar-se com o povo da roça e ficar atento aos seus anseios e medos quanto à implementação de um projeto dessa magnitude?
Não seria mais humano ir para os bairros de Altamira que serão alagados para encontrar-se com o povo que está apavorado, pois seu futuro e o futuro de seus filhos está em jogo? Não seria mais humano ir também aos municípios de Senador José Porfírio e Porto de Moz para ouvir o que a população, à jusante do rio Xingu, tem a dizer a respeito desse projeto que, em grande parte, secará seus rios?
Parece-me que até esta data somente as considerações e análises do setor energético do Governo estão sendo levadas em conta e pesam. No entanto há cientistas de renome nacional e internacional, estudiosos e peritos que se manifestam diametralmente opostos às ponderações daquele setor e comprovam cientificamente a inviabilidade socioambiental e até financeira do projeto. Os representantes do Governo, numa reunião realizada na casa da Prelazia em Altamira, até admitiram que os problemas não se situam na dimensão técnica, mas na dimensão socioambiental.
Ninguém duvida que o Brasil tem o know-how necessário para implantar Usinas Hidrelétricas, mas tenho absoluta certeza de que na dimensão socioambiental os estudos elaborados deixam muito a desejar e carecem de um maior aprofundamento, pois não se trata de máquinas e diques, de paredões de cimento e canais de derivação, mas de pessoas humanas de carne e osso, que conheço, de mulheres e homens, crianças, adultos e idosos, que sofrerão os impactos. Trata-se ainda do meio-ambiente, o lar que Deus criou para estes povos, que já começou a sucumbir fatalmente às inescrupulosas investidas de destruição e aniquilamento, tornando-se inabitável e deserto como já estou vendo em outras regiões do Xingu.
Eis a razão por que os movimentos sociais e povos indígenas da região da Transamazônica e do Xingu solicitaram ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) a realização de 17 audiências públicas complementares.
Faço o meu apelo a V. Excia. e à sua formação cristã que não deixe de ouvir esse grito. Conheço o Xingu como a palma da minha mão. Conheço os povos do Xingu, de perto e pessoalmente, de inúmeros encontros, celebrações, reuniões e contatos, ao longo de 44 anos que aqui vivo, quase 30 dos quais como bispo. Amo esses povos e por isso entendo a minha missão de pastor como a missão de também irmanar-me com esses povos e seus movimentos e organizações na defesa do lar em que vivem e de seus legítimos anseios e suas esperanças contra agressões de qualquer tipo.
V. Excia. no cargo que ocupa e no ministério que exerce foi escolhido como guardião do Meio Ambiente. Faço votos de que sempre tenha a coragem e a força necessárias para tomar as decisões que, realmente e de modo sustentável, favorecem o Brasil e o seu povo.
V. Excia. poderá sempre contar com minhas orações.
Que Deus abençoe V. Excia. e sua família.
Cordialmente,
Erwin Krautler Bispo do Xingu
Manifesto dos povos do Xingu contra a barragem de Belo Monte
Nós, participantes do Seminário de Apresentação dos resultados do Painel e Especialistas sobre análise crítica do EIA RIMA do AHE Belo Monte, que aconteceu em Altamira no último dia 26 de outubro, após a explanação de todos os especialistas, tomando o Estudo de Impacto Ambiental como base para a analise da viabilidade do AHE Belo Monte, como falho, insuficiente, incompleto e tendencioso, recheados de meias verdades, vimos manifestar nossa posição contrária a este empreendimento que causará imensuráveis danos ambientais, sociais e econômicos para a área de abrangência do empreendimento. Nos preocupa muito a omissão por parte dos empreendedores e de órgãos governamentais como IBAMA e FUNAI a respeito dos reais impactos da barragem sobre os povos indígenas da região. Exigimos a realização das audiências públicas protocoladas junto ao IBAMA no dia 03 de setembro, e das oitivas indígenas como foi demandado pelos povos indígenas durante a audiência pública, no dia 13 de setembro, em Altamira. Manifestamos igualmente nosso repúdio ao descumprimento da legislação Brasileira e o atropelo que vem caracterizando a forma como o processo de licenciamento ambiental deste empreendimento vem sendo conduzido até agora. Exigimos do governo federal e dos demais órgãos governamentais envolvidos que cumpram seu papel, zelando pelos princípios da democracia e pelo respeito das Leis e dos direitos humanos.
Assinam este manifesto:
Movimento Xingu Vivo para Sempre, Fundação Viver, Produzir e Preservar, Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade, Associação das Mulheres Urbana e Rurais de Senador José Porfirio, Associação das Mulheres de Brasil Novo, Movimento de Mulheres de Medicilândia, Movimento de Mulheres de Uruará, Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade de Placas, Movimento de Mulheres de Pacajá, Movimento de Mulheres de Anapu, Movimento de Mulheres de Rurópolis, Associação de Mulheres Agricultoras do setor Gonzaga, Associação das Mulheres do Assentamento Assurini, Prelazia do Xingu, Pastorais da Prelazia do Xingu- Comissão Justiça e Paz, Pastoral da Juventude ,CPT- Xingu, CIMI- Conselho Indigenista Missionário, Pastoral da Criança, Irmãs Franciscanas, Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses, Associação Fundação Tocaia, Equipe Samaritana paróquia Imaculada Conceição, Congregação La Salle, Grupo de Trabalho Amazônico Regional Altamira, Associação Rádio comunitária de Altamira, Mutirão Pela Cidadania, Fundação Elza Marques, S.O.S Vida, SINTEPP -Sindicato dos Trabalhad@res em Educação Pública do Pará sub –sede Altamira, Sindicato dos Trabalhad@res Rurais, Associação Radio Comunitária de Vitoria do Xingu, Associação de Cultura de Brasil Novo, Associação Rádio Comunitária de Medicilândia, Associação Rádio comunitária de Porto de Móz, Forum da Amazônia Oriental, SDDH-Núcleo Altamira, Associação dos moradores da Reserva Extrativista do Riozinho do Anfrísio, Associação dos moradores da Reserva Extrativista do Rio Iriri, Associação dos moradores da Reserva Extrativista do Xingu, Comité de Desenvolvimento Sustentável Porto de Moz, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto de Moz, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória do Xingu, Associação dos Indígenas Moradores de Altamira, Associação dos Pilotos de Voadeiras e Barcos de Altamira, Movimento de Atingidos por Barragem, Centro de Formação do Movimento Negro Transamazônica, SOCALIFRA, Sindicato das Domésticas de Altamira e região, Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Altamira e Região, Pastoral da Juventude Rural, Fórum Regional de Direitos Humanos Dorothy Stang, Sindicato dos Trabalhadores em Saúde no Estado do Para sub sede Altamira, Associação Pró-moradia Parque Ipê, Associação dos Agricultores Ribeirinhos do Assentamento Itatá, Associação Casa Familiar de Altamira, Associação de Resistência Indígena Arara do Maia-ARIAN, Moradores do Bairro Açaizal, Escorpions.
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