Às vésperas da Operação Satiagraha, em 8 de julho de 2008, o delegado Protógenes Queiroz tinha em mãos um documento revelador sobre os planos empresariais do banqueiro Daniel Dantas. Escrito em inglês e preparado, em 1992, pelo ex-ministro de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger, que deixou o cargo no fim de junho, o texto era um umbrella deal (acordo guarda-chuva) com perspectivas de negócios no Brasil que atendessem, segundo Queiroz, aos interesses comerciais de Dantas e do Citigroup, um dos maiores bancos do planeta e até então parceiro inseparável do banqueiro brasileiro. Entre os 160 itens do documento, um deles traçava estratégias de entrada no bilionário mercado de mineração. DD levou o assunto a sério. De 2007 até hoje, encaminhou mais de 1,4 mil pedidos de autorização de pesquisa mineral, em treze estados do País. Já conseguiu obter mais da metade das autorizações, 80% delas em terras da União.
As outorgas para esse tipo de atividade são concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) do Ministério de Minas e Energia. Para atuar no ramo, Dantas montou, há dois anos, uma empresa, a Global Miner Exploration (GME4), com sede
A GME4 tem interesses comerciais, atualmente, nos seguintes estados: Bahia, Piauí, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Pará, Roraima, Rio Grande do Norte e Pernambuco. Uma abrangência territorial 50% mais extensa do que a ocupa-da -pela Vale, segunda maior mineradora do mundo. Boa parte do esforço da empresa de Dantas está concentrada na pesquisa para exploração de manganês, sobretudo na Bahia, Minas e Piauí. Os filões mais lucrativos estão, porém,
Dantas não é um minerador comum. Em vez de explorar os veios, montar minas e extrair pedras, atua como atravessador. De acordo com o site oficial da empresa, a GME4 é um “banco de ativos minerais” com o objetivo de prospectar reservas “visando alienar ou realizar joint ventures”, tanto no mercado nacional como “global”. Para tal, apresenta um “portfólio de direitos minerários próprios”, ou seja, as autorizações do DNPM, cada uma com prazo de três anos. Na prática, a mineradora identifica a jazida e faz os estudos geológicos e de viabilidade econômica. Em seguida, oferece o projeto a investidores brasileiros e internacionais.
No ano passado, um dos sócios de Dantas na GME4, João Carlos Cavalcanti, iniciou um périplo internacional para tentar vender uma das joias da mineradora, uma jazida com estimadas 800 milhões de toneladas de ferro, localizada no sul do Piauí, avaliada em 2,4 bilhões de dólares (4,6 bilhões de reais). A empresa do Opportunity pretende atrair investidores do setor de siderurgia da China, Japão, Coreia do Sul e Reino Unido.
Cavalcanti chamou a atenção de Dantas por ter experiência nesse tipo de transação. Em 2005, ele descobriu uma reserva de minério de ferro na Bahia e vendeu os direitos de exploração por 360 milhões de dólares (702,9 milhões de reais), a dois dos maiores grupos siderúrgicos do mundo, a ArcelorMittal, da Índia, e o Eurasian Natural Resources Corporation, do Casaquistão.
Exatamente como previa, segundo o delegado Queiroz, o umbrella deal bolado por Mangabeira Unger, em Washington, há 17 anos. “Como tudo naquele documento, a ideia era a de vender as riquezas do Brasil a investidores estrangeiros e grupos internacionais”, afirma o delegado. O acordo guarda-chuva, segundo Queiroz, foi encontrado no disco rígido (HD) do computador central do Banco Opportunity, no Rio de Janeiro, durante a Operação Chacal, em 2004.
Lacrado, desde então, por ordem da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, o HD do Opportunity só pôde ser aberto em abril de 2006. Foi quando o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza enviou parte da investigação do chamado “mensalão” para a Justiça de São Paulo, justamente para saber da participação de Dantas no esquema de financiamento de caixa 2 comandado pelo empresário mineiro Marcos Valério de Souza. Graças a isso, a Polícia Federal pôde abrir o HD e mapear o conteúdo da máquina apreendida na Operação Chacal, para desgosto do banqueiro.
Queiroz teve certeza das intenções de Dantas ao flagrar uma conversa do banqueiro com o especulador Naji Nahas, também preso durante a operação de julho de 2008. Em uma das escutas telefônicas autorizadas judicialmente, no decorrer da Satiagraha, no início de 2008, Dantas se mostrava ansioso em fortalecer a musculatura da GME4 com dinheiro de fora. Na conversa pescada pelo grampo, o banqueiro perguntou a Nahas se ele não conhecia “algum xeque árabe” interessado em comprar 20% da GME4 pelo valor de 20 bilhões de dólares (39 bilhões de reais). Presos ao mesmo tempo, mas logo liberados pelo STF, Dantas e Nahas acabaram por não concretizar o negócio.
De acordo com o relatório da Satiagraha, as atividades mineradoras do grupo de Dantas apresentam “indícios de lavagem de capitais”. Ou seja, o banqueiro é suspeito de usar a atividade para lavar dinheiro de atividades criminosas. Condenado a dez anos de prisão por subornar um delegado da Polícia Federal, Dantas também foi indiciado por formação de quadrilha, evasão de divisas e gestão fraudulenta. Espera-se que nos próximos dias se torne réu por outros crimes, em mais um desdobramento da investigação conduzida por Queiroz ao longo de quatro anos.
A GME4 foi formada a partir de uma empresa cujo sócio majoritário, Eduardo Duarte, é citado no inquérito da PF como “sócio de mais de 700 empresas, havendo diversos indícios de que se trata de mero ‘laranja’”. Pela diretoria da mineradora, segundo registros da empresa na Junta Comercial de São Paulo, passaram outros indiciados pela PF por gestão fraudulenta no controle do Opportunity Fund, de Daniel Dantas. São eles Arthur Joaquim de Carvalho, Eduardo Penido Monteiro e Norberto Aguiar Tomaz.
Antes de prender Dantas e Nahas, o delegado solicitou ao DNPM a lista de autorizações de pesquisas concedidas à GME4. Até então, eram 1.402 requerimentos da mineradora, mas esse número cresceu de lá para cá. De acordo com a assessoria de imprensa da GME4, a empresa requereu, até hoje, 1.487 autorizações de pesquisa. Deste total, 789 foram deferidas e outros 689 requerimentos ainda estão em “processo de análise” pelo órgão. Respaldadas pela Constituição Federal, que diferencia a propriedade da terra superficial do subsolo, as mineradoras são autorizadas, inclusive, a realizar as prospecções em propriedades privadas. No caso da empresa de Dantas, isso equivale a 20% dos negócios. A assessoria de imprensa do DNPM não prestou os esclarecimentos solicitados pela revista, apesar de promessa em contrário.
O interesse do banqueiro por riquezas minerais pode ser a chave para se compreender outro negócio bilionário de DD, de criação de gado no Pará. Atualmente, Dantas tem um patrimônio estimado em mais de 3 bilhões de reais em terras (510 mil hectares) e rebanho bovino (cerca de 500 mil cabeças) em território paraense. Parte dessa área está sob suspeita de grilagem.
De acordo com investigações da polícia do Pará, ao menos cinco fazendas da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, de propriedade de Dantas, no sudeste do estado, foram compradas de forma irregular, em 2005. O Ministério Público acusa o grupo de ter desmatado de forma ilegal 51 mil hectares de floresta amazônica. O MP cobra 686,8 milhões de reais de indenização de pecuaristas e frigoríficos que comercializam rebanhos criados nas fazendas do grupo. Em entrevista à agência de notícias Repórter Brasil, o procurador Daniel César Avelino declarou: “A Santa Bárbara aparece como responsável pela maior parte do desmatamento. Verificar as grandes propriedades foi um dos focos principais do Ministério Público Federal. E, na região onde ela atua, há um desmatamento excessivo”.
Mesmo assim, tanto esforço em criar gado na região talvez não tenha a ver com a pastagem, mas com o subsolo da região. Um dos projetos da GME4 se chama, justamente, “Programa Pará”. Trata da exploração de níquel, cobre e ouro na região entre os vales dos rios Xingu e Araguaia, nas áreas dos municípios de Parauapebas, Xinguara e Xingu.
O interesse de Dantas por mineração, segundo o delegado Queiroz, tem origem na ligação dele com outro grande empresário do setor, Eike Batista, dono da EBX, holding que também atua nas áreas de logística, energia, petróleo e gás. No inquérito gerado pela Satiagraha, a Polícia Federal informa que a MMX Mineração e Metálicos, de propriedade de Batista, foi comprada do Opportunity, em 2006, quando então se chamava Tressem Participações. À época, Dantas recebeu 461 mil reais pela empresa, instalada no 28º andar do prédio de seu banco no Rio de Janeiro. De acordo com a PF, a Tressem era uma “empresa de papel”, criada apenas para movimentar recursos do grupo financeiro do banqueiro.
Transformada em MMX logo após ser comprada, o capital social da Tressem cresceu de 60 mil reais para 16 milhões de reais em poucos dias. Para o delegado, Dantas, Batista e Naji Nahas usam os mesmos mecanismos de operações, com fases de dissimulação e reintegração de bens e valores, segundo ele, oriundos de crimes contra o sistema financeiro nacional. Logo depois da Satiagraha, a MMX Mineração foi alvo da Operação Toque de Midas, da PF, acusada de fraudar a licitação de uma ferrovia do complexo mineral da Serra do Navio, no Amapá. As jazidas, ricas em manganês, foram vendidas por Batista para a siderúrgica britânica Anglo American, no ano passado, por 5,5 bilhões de dólares (10,7 milhões de reais). “O que posso afirmar concretamente é que Eike Batista é associado a Daniel Dantas”, disse Queiroz pouco depois de executar a Satiagraha.
Batista sempre negou essa ligação. Em julho de 2008, o empresário rechaçou qualquer associação com o banqueiro “bandido”, alcunha criada pelo delegado Queiroz. Mas em comunicado à imprensa, o Opportunity informou existirem ainda pequenas aplicações, cerca de 0,22% dos recursos de fundos de investimentos, em ações das companhias controladas por Batista.
Fonte: Carta Capital
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