18 de abr. de 2009

Luta pela terra no Pará: a execução de Raimundinho de Tucuruí

A polícia promete capturar os assassinos que executaram Raimundo Nonato do Carmo, de 53 anos, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) do município de Tucuruí, sudeste do Pará. O ativista foi morto no dia 16 de abril, véspera da passagem de 13 anos do Massacre de Eldorado do Carajás. Terá sido um aviso para lembrar quem manda no pedaço?
Arca- Boletim editado na década de 1980 pelos acampados de Tucuruí
As notas públicas do Estado sobre as execuções e massacres seguem a mesma rotina ao longo de mais de 30 anos de coerção pública e privada contra ativistas da reforma agrária, defensores dos direitos humanos e ambientalistas na região que possui notoriedade internacional por conta dos grandes projetos nela instalados e as tragédias sociais e ambientais por eles ativados.
Arquivo do CEPASP- Ao centro, o franzino encostado na parede de madeira é o dirigente assassinado. Os números importam? A casa beira o milhar, indica o banco de dados do que se conseguiu ser sistematizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) ao longo de mais de três décadas. Não há fazendeiro preso. A impunidade contra camponeses e seus pares beira a casa de 90%. E os parcos casos que chegam a ir julgamento levam mais de 10 anos. É ou não um belo incentivo à manutenção de resolução da diferença a partir da força?

A lógica dos grandes projetos na Amazônia é a expropriação e a não relação com o entorno onde os mesmos são instalados. Tucuruí, a maior hidrelétrica genuinamente nacional, barrou o caudaloso rio Tocantins no ano de 1984. Mas, o empreendimento teve início com Médici no ano de 1973. A Camargo Correa, ora investigada pela justiça foi a empresa agraciada para a construção da obra.

A hidrelétrica de Tucuruí, ao lado de outros empreendimentos como os pólos de madeira, pecuária e mineração, todos induzidos pela política de renúncia fiscal do Estado reordenaram as dimensões econômicas, territoriais, sociais e políticas da região.
285 mil hectares de terras dos municípios de Itupiranga, Tucuruí e Jacundá foram inundados para a construção da usina, uma faixa de 200 quilômetros de terras. 30 mil pessoas é o número estimado de expropriados pelo empreendimento.
A hidrelétrica emerge no contexto do Programa Grande Carajás (PGC), para alimentar com energia subsidiada empresas do setor do alumínio do Vale no município de Barcarena, no Pará, Albras e Alunorte e em São Luís, da gigante do setor do alumínio Alcoa e a Billiton, a Alumar.
É neste contexto que as organizações populares vão orientar as suas bandeiras de luta. No caso de Tucuruí, Raimundinho, como era tratado o sindicalista por conta da estrutura franzina, foi linha de frente nas negociações com a Eletronorte, que administra a hidrelétrica e os órgãos públicos estaduais e federais relacionados com a questão fundiária.
Com relação à Eletronorte ainda hoje o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) reivindica compensações da década de 1980 e há mais passivos emergindo por conta da expansão da hidrelétrica e da construção das eclusas.
Sobre tais empreendimentos, repletos na agenda do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a academia no Brasil e fora dele tem ressaltado sobre as tragédias que a “conquista” da fronteira Amazônia pela “eficiência” do capital engendra.
Além do Raimundinho na linha de frente do STR, lembro de outro militante de nome Evangelista. Creio que João era o primeiro nome dele. Os dois e demais militantes que sucederam no protagonismo engrossaram o caldo dos descontentes em inúmeras frentes, como a rede Fórum Carajás, Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA) e Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
Os mesmos levaram para além das fronteiras do município de Tucuruí a informação sobre o papel do estado na economia e a sua parcialidade, bem como a luta popular para a conquista de uma cidadania plena.
Dirigene João Duarte Lima- durante acampamento de 1983/Jornal Arca

Tucuruí é um mundo de cimento. Já o lago da hidrelétrica subjugou 2.850 quilômetros quadrados de terras com estoque de 55 milhões de litros d’água. 1.100 ilhas foram formadas, onde moravam 6.500 famílias. Por mais de 10 anos as mesmas ativaram um demanda de criação de unidades de conservação para a região.

Naquele momento a demanda era pela criação de uma reserva extrativista (RESEX), após vários estudos, seminários, encontros e desencontros um mosaico de unidades de conservação foi efetivado.

A execução sempre nubla a rotina de militantes na região. Recordo de uma reunião no auditório da Eletronorte para debater a questão da criação da RESEX de Tucuruí, onde um então prefeito da cidade, e empresário do setor madeireiro ameaçou de morte publicamente um representante camponês presente.

Raimundinho perdeu a conta de entrevistas que concedeu para pesquisadores nacionais e internacionais. O dirigente ao lado de infinitos pares colaborou na peleja sindical com seus acertos, erros e deslizes. Com apenas 53 anos teve a vida ceifada a tiros por duas pessoas que fugiram numa moto, numa avenida de nome 7 de Setembro, no município de Tucuruí, no dia 16 abril, véspera do Massacre de Eldorado. A nota do jornal anuncia: a polícia promete encontrar os responsáveis. Rogério Almeida

Um comentário:

  1. Raimundinho é um lutador que vive, O conheci no início dos anos 90 na relação de pesquisa do "Seminário Consulta", hoje "Fórum Carjás". Homem digno, sereno, forte, inteligência brilhante. Já havia sofrido atentado em 93 por ocasião do desterro a que foram submetidos os "afetados pela praga de mosquito" decorrente da formação do lago da UHE Tucurui. Acampados em frente à sede da Eletronorte foram "assentados" no PA Rio Gelado, terra grilada desde os anos 70. Foram lançados na linha de tiro. Raimundinho e seu filho à época, uma criança sobreviveram. Foi à Alemanha com apoio da Igreja Luterana em busca de solidariedade, viveu por um período refugiado em Belém mas o refúgio lhe ofuscava a vista e voltou à luta. E para morrer sob o desamparo e injustiça que um determinado modelo de um chamado desenvolvimento que mata, silencia para sempre, e outros gritam e morrem...mas Raimundinho, quantos outros virão com Belo Monte, Santa Izabel, Madeira...?
    Deixa saudades e indignação! E com tudo isso, ainda a esperança.
    Jurandir Novaes

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